"O Caminha Cultural "

Direito

Meio Ambiente
João Borges Caminha. Professor. Advogado. Escritor.

À procura de dar uma explicação mais inteligível à locução “meio ambiente”, fui buscar em alguns dicionários o significado de cada um destes vocábulos, isoladamente. As fontes nem sempre os grafam como um nome composto. O Dicionário enciclopédico ilustrado, Larousse, volume 15, página 1700, até o item 17, grafou mais de vinte significados para o vocábulo meio. No de número 8, informa que meio é o ambiente imediato dos seres vivos. Há ai, também, os vocábulos com o mesmo emprego da legislação, ou seja, “meio ambiente” e não simplesmente meio ou ambiente, escritos separadamente nos espaços destinados a cada uma das letras m ou a. A referida locução indica aí “(loc ECO) o conjunto de fatores físicos, químicos e biológicos que cercam os seres vivos no lugar em que ordinariamente vivem”. A mesma fonte, em seu volume 2, página 121, inscreve  ambiens, ambientis, que quer dizer andar ao redor. Em o nº 1, exara que é próprio do meio no qual se vive, temperatura, ambiente. No nº 2, esclarece que é o círculo em que se está ou vive e no item 3, afirma que ambiente é o conjunto de condições  que envolve as pessoas; atmosfera. Em Um Exemplo às Novas Gerações, no final da página 35 e início da 40, sobre meio ambiente, de nossa lavra, anotamos que  meio e ambiente são sinônimos. Veja-se, por exemplo: AMBIENTE... o meio material ou moral em que se vive”. “Meio ...lugar onde se vive atualmente; a água é o meio natural dos peixes... “MEIO ...ambiente onde se realizam certos fenômenos. E findava dizendo que a boa técnica, certamente, não recomendaria o emprego dos dois termos, mas somente um (meio) ou outro (ambiente), para evitar redundância e por terem o mesmo significado. Contudo, essa observação em nada interfere nas circunstâncias pertinentes à defesa do bem aqui especificado”.   
Do meado do século XX para cá a expressão meio ambiente tem sido objeto de estudos de parte de instituições internacionais, como a ONU e de autores nacionais e estrangeiros, principalmente, a partir deste século, com os noticiários da imprensa mundial, quase sempre alarmantes, confirmando a hipótese do fenômeno do Aquecimento Global do planeta e suas conseqüências catastróficas para todos os seres vivos ou inanimados pertencentes aos reinos animal, vegetal ou mineral. Tais estudos, além do conhecimento sobre os fatores que contribuem para a degradação do meio ambiente, informam, também sobre os meios de amenizar as suas causas e conseqüências, conservar o meio ambiente, preservá-lo e defendê-lo para a comodidade das presentes e futuras gerações.
            Demais disso, é quase moda falar-se hoje no meio ambiente, sem atentar para sua fundamental importância para a humanidade e todos os seres vivos e mortos. Uns falam porque sabem o seu significado e têm consciência da relevância do seu papel na conservação e preservação da vida e dos bens naturais e artificiais, existentes no universo. Outros a ele se referem por mera falácia e diletantismo. Daí por que é preciso conceituá-lo para permitir a perquirição dos meios e modos de preservação e defesa pelo Poder Público. A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 não definiu o que seja meio ambiente. Deixou para a lei ordinária e a doutrina nacionais a tarefa de conceituar tanto o meio ambiente como o bem de uso comum do povo. Porém, considerou equivalentes aquelas duas expressões. Apenas dispôs no Caput do art. 225 “que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo ......”.
Apesar da pouca seriedade das nações do globo com o meio ambiente, no passado, a percepção de suas drásticas conseqüências já era latente desde a antiguidade remota. Mais recentemente, a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Suécia em junho de 1972, dentre outras disposições, consagrou aquela segundo a qual além do direito fundamental à liberdade e à igualdade, o homem tem o direito ao desfruto de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar. Que o homem é portador solene da obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente. Além de outros postulados, essa Conferência destaca os recursos naturais da terra, incluídos aí o ar, a água, o solo, a flora, a fauna e parcelas representativas dos ecossistemas naturais, em benefício das gerações de hoje e de amanhã. Declara, ainda, que a terra deve ser restaurada ou melhorada a sua capacidade de produzir recursos renováveis vitais e o homem tem a responsabilidade especial de preservar, de administrar judiciosamente o patrimônio representado pela flora e fauna silvestre bem assim o “habitat”, que se encontram, atualmente, em grave perigo. Não obstante ter sido o meio ambiente conhecido da humanidade desde o século atrasado, vimos, no passado, que as leis vigentes no Pais quase nada  dispuseram a respeito desse bem essencial à existência sadia dos seres vivos. As Ordenações Filipinas de maneira esparsa, apenas, dispuseram sobre a cominação de pena grave de desterro e açoite para quem cortasse árvore ou fruto. As Constituições republicanas do período de 1889 a 1987 foram completamente omissas com relação a esse bem. A doutrina somente nesses últimos anos conscientizou-se da imprescindibilidade do seu gozo pela humanidade e passou a abordá-lo, apesar de, ainda, timidamente.      
Vimos que as Constituições brasileiras passadas despreocuparam-se o quanto puderam do meio ambiente. Entretanto, a Carta Magna vigente preocupou-se bastante, ao dedicar ao instituto todo o Capítulo VI, integrado pelo artigo 225, parágrafos e incisos, do Título VIII, os arts. 5º, LXXIII; 23, VI; 24, VI e VIII; 129, III; 170, VI; 174, parágrafo 3º; 186, II; 200 e 231, parágrafo 1º, na sua conceituação, finalidade, preservação e defesa. O art. 225, no seu caput, dispõe que “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. De grande alcance é também, o parágrafo 3º, do mencionado art. 225, determinando que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. O art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal dispõe sobre a faculdade que tem qualquer cidadão para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, cultural e outros direitos.  O caput do art. 23 e seu inciso, VI, dispõem sobre a competência comum administrativa e judiciária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. O art. 24, VI e VIII, estabelece a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, para legislar sobre floresta, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle de poluição e sobre a responsabilidade por dano ao meio ambiente, além de outros direitos. De alcance inigualável são as funções institucionais do Ministério Público insculpidas nos arts. 129 a 130-A, seus incisos e parágrafos da Constituição Federal, a cerca da defesa do patrimônio público, do meio ambiente e dos direitos difusos em geral. Sobre a matéria, entre as funções daquele Órgão sobrelevam as do art. 129, III, que tratam da iniciativa para promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção, dentre outros bens, interesses difusos e coletivos, do meio ambiente.
Demais disso, o Título VII, da Ordem Econômica e Financeira, no Capítulo I, e art. 170, VI, elevou a defesa do meio ambiente à categoria de princípio geral da atividade econômica, ao exarar que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado, dentre outros, o princípio da  defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. O art. 174, parágrafo 3º, estabelece que o Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. O art. 186, II, disciplina que o princípio da função social da propriedade só será cumprida se atender ao requisito de utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. O caput do art. 200 e seu inciso VIII prelecionam acerca da competência do sistema único de saúde, sendo este obrigado a colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. E finalmente, o art. 231, parágrafo 1º, sobre terras ocupadas pelos índios brasileiros, informando que entre elas lhes pertencem aquelas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.  

            Além do mais, numa inequívoca demonstração de imprescindibilidade do gozo de um meio ambiente saudável para os brasileiros e a humanidade em geral, a mesma Carta Magna dedicou-lhe todo o Capítulo VI, do Título VIII correspondente ao art. 225, seus sete incisos e seis parágrafos. Para a correta e adequada defesa contra ato lesivo ao meio ambiente é preciso, desde logo, identificar-se a natureza jurídica do bem ou patrimônio. Ou seja, se é particular ou público. Porque, se particular, sua defesa cabe ao seu proprietário ou a quem o legitimamente represente administrativa ou judicialmente. Se público tem de saber se é de uso comum do povo, tais como os rios, mares, estradas, ruas, praças, além de outros; se de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviços ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; ou se dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Constatada a natureza do bem público, convém saber a qual das entidades públicas ele pertence; se da União, de uso comum do povo, a Ação será de iniciativa do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual se o bem público que forma o meio ambiente é de propriedade do Estado, de algumas de suas autarquias ou pertencentes ao Município. Evidentemente que a defesa, mediante ação, de alguns desses bens públicos, classificados como especiais pode ser provocada por procuradores autárquicos ou federais, que não da República.
            A Constituição Federal, no caput do art. 225, não conceituou, isoladamente, meio ambiente, mas “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, assim considerado um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à comunidade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O STF considerou meio ambiente como patrimônio público, a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais. O vocábulo ecologia foi criado em 1866 pelo biólogo alemão Ernnst Haeckel, passando a ser uma disciplina importante a partir de 1930, cuja ciência estuda as relações que os seres vivos mantêm com o meio em que vivem. A expressão ecologicamente equilibrada usada pela Constituição deve traduzir o estado das relações e correlações contrabalançadas, compensadas ou igualitárias e sem interferência, dos seres vivos entre si no seu ambiente natural, ECO não é somente a repetição de um som.. É também, em sentido figurado, bom êxito; repercussão e aceitação de algo; adesão; simpatia[1].
            O Código Civil dispõe sobre as diferentes classes de bens em seus artigos 98 a 103. O art. 98 estabelece que são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”. O art. 99,do mesmo diploma legal, inciso I estabelece: “são bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças”. O art. 100, disciplina que”os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar”. 
Dos termos constitucionais, do Código Civil, da doutrina e jurisprudência pesquisadas, podemos aduzir que meio ambiente é um bem público ou de entidade de que o Estado participe, material ou imaterial, de uso comum do povo, ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. Além do mais, é patrimônio comum de toda a humanidade, sugerindo a utilização de todos os meios legislativos, administrativos e judiciais necessários à sua efetiva proteção, a qual deve conciliar as noções de Direito Constitucional e do Direito Internacional, permitindo alguma evolução nas tradicionais noções de soberania, direito e propriedade, interesse público e privado. Não obstante, percebe-se que as agressões ao meio ambiente continuam, como se muitos desconhecessem o seu verdadeiro sentido ou que, de propósito, mantêm-se alheios e insensíveis aos legítimos e inarredáveis deveres de defendê-lo e assegurá-lo para agora e sempre.  
            “No fundo o meio ambiente é um conceito que desconhece os fenômenos das fronteiras. Na verdade ventos e correntes marítimas não respeitam linhas divisórias fixadas em terra ou nos espaços aquáticos e aéreos, por critérios humanos, nem as aves migratórias ou os habitantes dos mares e oceanos necessitam de passaportes para atravessar fronteiras, as quais foram delimitadas, em função dos homens. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade. Sua proteção legislativa interna tem de ser integral e adesão aos pactos e tratados internacionais desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural)a uma finalidade individual[2].
Como se observa da doutrina consultada e do bem-senso, é importante argumentar numa defesa do bem protegido até onde vão os efeitos danosos provocados pelo ato lesivo ao meio ambiente. Se a lesão proveio, por exemplo, da invasão de parte ou de todo o bem de uso comum do povo por um particular confrontante, então é preciso estabelecer os limites físicos entre os dois imóveis, cujas extremas irão até onde cessarem definitivamente os efeitos lesivos. Como o interesse público ou da coletividade, em casos da espécie, sempre prepondera sobre o individual, o proprietário particular confrontante não pode estabelecer os seus próprios limites, uma vez que estes estenderão até o ponto extremo onde cessarem os efeitos do ato lesivo. Portanto, somente com o estabelecimento dos limites dominiais no ponto do espaço terrestre, aquático ou aéreo em que os danos produziram ou produzirão seus efeitos danosos é que cessará a causa que lhes deu origem. Sublata causa tollitus effectus. Como se observa, a doutrina capitaneada pelo Professor Guido Fernando Silva Soares, consagra a ilimitação das fronteiras quando se trata de defender o meio ambiente. O autor deste artigo adere inteiramente a esta tese, uma vez que os efeitos da afetação ao meio ambiente podem atingir o bem em região localizada muito além de suas fronteiras físicas, terrestres, aquáticas ou aéreas.



[1] CF. LAROUSSE. Dicionário enciclopédico ilustrado , 1ª ed. V. 8 , p. 902.. São Paulo: Editora Abril S/A, 2006.
[2] CF. MORAES, Alexandre. Direito constitucional. Vigésima edição. P. 775. São Paulo. Editora ATLAS, 2006.


IMÓVEIS RURAIS NÃO SUJEITOS À DESAPROPRIAÇÃO PARA A REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL

            Um dos fatos que amedronta os produtores rurais donos de terras, no Nordeste e no Brasil é, às vezes, o desconhecimento ou a falta de informação deles e do campesino em geral, sobre qual a propriedade territorial rural que está sujeita ou não à desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária. Como se sabe, ao lado dos imóveis rurais manifestamente reformáveis, há os que não podem ou não devem ser desapropriados para a reforma agrária, de acordo com a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional pertinente.
            Sobre esta atual, palpitante e interessante matéria, a Constituição de 05.10.1988 estabelece que são insuscetíveis de desapropriação, para fins de reforma agrária, a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra e a propriedade produtiva. Enfatiza mais que a lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva (Art. 185, I, II e Parágrafo único). Observa-se, portanto, que a Constituição Federal proibiu a desapropriação da pequena, média e da propriedade produtiva, para fins de reforma agrária, desde que o seu titular não possua outra.
            O referido artigo 185 e todos os outros do Capítulo III, do Título VII, da Constituição Federal, que tratam DA POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA, foram regulamentados pelas leis 8.629, de 25.02.1993 e 4.504, de 30.11.1964 (Estatuto da Terra – ET).
            A mencionada lei 8.629, em seu artigo 4º, II e III, conceitua a pequena e média propriedade. A primeira, dispondo que é o imóvel rural de área compreendida entre um e quatro módulos fiscais. E a segunda, como sendo o imóvel rural de área superior a quatro e até quinze módulos fiscais. O parágrafo único, da mesma lei, estabelece que são insusceptíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural.
            Infere-se, portanto, da interpretação ao artigo 185, I, da Carta Magna, em perfeita harmonia com artigo 4º, parágrafo único, da lei 8.629/93, que a pequena e média propriedades rurais não poderão ser desapropriadas para a reforma agrária, sejam ou não produtivas, salvo se seu dono possuir outra propriedade rural. O parágrafo único do artigo 4º, desta mesma lei, foi bastante incisivo em sua dicção, ao dispor, completando, que não haverá desapropriação para fins de reforma agrária, se o proprietário não possuir outra propriedade rural.  
            A condição, à qual a Constituição quis se referir e que a lei reguladora o fez, de modo inequívoco, para esclarecer a exceção, foi a de que o dono não possua outra propriedade rural e não qualquer outra. O cidadão poderá ter uma ou mais propriedades urbanas, mas nem por isso, a única que possua, no campo, estará sujeita à desapropriação para reforma agrária. A pequena e a média propriedade rurais, à luz da Constituição, poderão até ser desapropriadas por utilidade, necessidade pública ou outra causa, mas para outros fins, que não a reforma agrária. São, enfim, propriedades não sujeitas à reforma agrária. O seu proprietário deve, de acordo com o bem senso e com a interpretação da legislação agrária em geral, explorar convenientemente tal imóvel rural, para cumprir a função social. Todavia, deve fazê-lo livre de qualquer conflito, turbação ou esbulho possessório provocados por pessoa, quer com ou sem terra, ou mesmo pelo Poder Público (INCRA) ou outros órgãos.
            À semelhança da pequena propriedade ou propriedade familiar, como define o Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30.11.1994, artigo 4, II) e a média propriedade, a PROPRIEDADE PRODUTIVA não pode ser, também, desapropriada para fins de reforma agrária. Nos conceitos de pequena e média propriedade não estão visíveis os elementos evidentes da função social da terra, ou seja, os dispositivos da Lei fundamental (Constituição) e da lei ordinária (infraconstitucional) não dispuseram acerca da obrigatoriedade do cumprimento da função social em tais propriedades rurais.
            Não se pode, contudo, extrair a mesma interpretação no respeitante à propriedade produtiva. O vocábulo “produtivo”, empregado pelo legislador já traduz a função social a que fora submetido este tipo de imóvel rural. A produtividade constitui um requisito por excelência da função social da terra. Em termos legais, no mínimo 80% (oitenta por cento) da área aproveitável deve ser utilizada na exploração, com grau de eficiência igual ou superior a 100% (cem por cento).
            Destarte, a propriedade que apresente um grau de utilização de 80% de suas terras exploráveis, independentemente, de sua extensão (abatidas as benfeitorias, desertos, morros, aguadas, reservas, pastagens naturais e artificiais, etc.) e 100% ou mais de eficiência na exploração, é considerada produtiva, E, portanto, INSUSCETÍVEL de desapropriação para fins de reforma agrária.
            Quanto ao seu tamanho, a propriedade produtiva só é limitada pela média propriedade, ou seja, por aquele imóvel rural que se situa entre 4 e 15 módulos fiscais. Quer dizer que tal propriedade (produtiva) deve ter mais de 15 módulos fiscais e seus extremos superiores são ilimitados, no que pertine à sua área total, mas limitada pelos graus de utilização e eficiência e eficiência na exploração. Todavia, não é conveniente em matéria de reforma agrária ou fundiária, que a propriedade produtiva seja tão extensa quanto um município, um estado ou um país, com território considerável.
            Caro leitor, lembre-se de que não é só o fato de pensar, de ver ou ouvir dizer que uma propriedade é produtiva ou não, que se leve a uma dessas conclusões. É precIso que a demonstração seja evidente, para evitar a injustiça no campo. Somente a pressão ou mesmo o conflito agrários de trabalhadores não justificam a desapropriação do imóvel rural sob a alegação de que não é produtivo. É indispensável constatar o seu tamanho medido em módulos fiscais da região, da cultura e de propriedade, a fim de certificar-se de que não é pequena ou média propriedade, as áreas ocupadas com benfeitorias, águas, montanhas, morros, desertos, reservas legais, ecológicas e do meio ambiente, pastagens naturais e artificiais, matas virgens, etc. A exploração tanto pode ser agrícola, como pastoril, extrativo vegetal e animal e agroindustrial.
            Alerte-se de que a propriedade produtiva não perde essa qualidade por que por razões decorrentes de casos fortuitos, força maior ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, comprovadas pelo órgão competente, deIxe de atingir, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração (Lei n 8629, art 6 º, parágrafo 7).
            Para a fixação do tamanho da propriedade rural e do valor do imposto territorial rural (ITR), a lei 6746, de 10.12.1979, em seu artigo 3º, criou o módulo fiscal, que nada mais é do que uma variante do módulo rural. Pode ser considerado um sistema de medida de área de terra, utilizado sob a forma de hectare, de tamanho médio, variável, segundo a região e tipo de exploração da cultura agrária.
            João Borges Caminha. Professor. Advogado. Escritor.

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